Automedicação e os riscos à saúde em tempos de Covid-19

automedicação

No mês em que se celebra o Dia Nacional do Uso Racional de Medicamentos – em 5 de maio -, Jessé Eduardo Bispo, docente no HCX Fmusp, onde coordena o Curso Técnico em Farmácia, convida todos a repensar a automedicação na pandemia.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) calcula que 18% das mortes por envenenamento no Brasil podem ser atribuídas à automedicação, e 23% dos casos de intoxicação infantil estão ligados a ingestão acidental de medicamentos armazenados em casa de forma incorreta. Os analgésicos, antitérmicos e anti-inflamatórios estão entre os que mais intoxicam.

Assim, a data foi criada exatamente para alertar a população sobre os riscos à saúde causados pelo uso indiscriminado de medicamentos e automedicação. Ainda, neste momento de pandemia, os profissionais de Saúde – em especial os Farmacêuticos – precisam ter um cuidado a mais, garantir o uso racional de medicamentos de forma global, implementando medidas que contribuam para a segurança do paciente.

Automedicação e a busca por alívio rápido

Jessé afirma que é comum pacientes relatarem que uma dor de cabeça, uma noite de tosse, uma febre repentina, uma dor no estômago, entre outros motivos corriqueiros, os levaram a buscar medicamentos para solucionar tais incômodos. Sempre justificam que a ideia é aliviar sintomas de maneira prática e rápida. “Portanto, sempre deixamos claro aos pacientes que os medicamentos para tosse, resfriado e outras patologias frequentes não são inofensivos e deve-se evitar utilizá-los sem prescrição médica. Esses medicamentos podem até melhorar os sintomas, mas ocasionam efeitos colaterais, e em doses excessivas ou sem a orientação adequada, podem prejudicar o tratamento e induzir a complicações indesejáveis e irreversíveis”, ressalta.

Os medicamentos utilizados de maneira errada, que inicialmente parecem ser uma solução, podem trazer sérios problemas para a saúde dos pacientes. Por isso a importância do acompanhamento médico e orientação do farmacêutico.

Jessé identifica que, neste momento de pandemia e isolamento social, tem-se observado uma crescente busca a tratamentos nas farmácias e drogarias. “Os pacientes procuram uma solução imediata para seu problema de saúde, justificam a demora no atendimento no sistema de saúde com longo tempo de espera e filas”, diz.

No Brasil, nas quase 90.000 drogarias espalhas pelo país , setor privado principal responsável pelo fornecimento de medicamentos à população brasileira, a dispensação de medicamentos fica nas mãos de proprietários e balconistas; enquanto isso, os farmacêuticos, profissionais formados e capacitados para atender e esclarecer os pacientes, ficam na administração de rotinas burocráticas; “infelizmente, a grande maioria dos proprietários de drogarias, práticos de farmácia e balconistas desconhecem a importância dos esclarecimentos sobre os efeitos indesejáveis produzidos pelos medicamentos, efeitos que podem ser leves ou moderados, sem contar que podem levar a óbito e a lesões irreversíveis” afirma Jessé.

Fitoterápicos e naturais

O farmacêutico afirma que, na vivência hospitalar, os profissionais conseguem identificar se o paciente está ou não fazendo automedicação no momento da anamnese farmacêutica. Isso é feito durante a admissão farmacêutica ou avaliação inicial, no momento da reconciliação medicamentosa – onde se extrai informações precisas sobre o uso habitual de medicamentos pelo paciente e posteriormente comparar com as prescrições durante a internação hospitalar.

“Então, vem a questão dos medicamentos naturais – os fitoterápicos; há pacientes que utilizam sem consentimento médico. Se ele é adepto da automedicação, aí é o momento de o farmacêutico entrar com a orientação: dos riscos da automedicação, do perigo eminente, reações adversas e interações medicamentosas. Um exemplo muito comum de interação medicamentosa envolvendo fitoterápicos, são as pessoas que fazem tratamento médico com anticoagulante, como a Varfarina para a prevenção primária e secundária do tromboembolismo venoso, e se automedicam com Ginkgo Biloba – fitoterápico utilizado principalmente para vertigens e zumbidos resultantes de distúrbios circulatórios; essa é uma interação medicamentosa muito conhecida, o uso de Ginkgo Biloba poderá potencializar a ação do anticoagulante (Varfarina) , aumentando, assim, o risco de sangramentos”, exemplifica Jessé.

Dificuldade de acesso à Saúde

Pesquisa do Conselho Federal de Farmácia, realizada no ano passado, mostrou que 77% dos brasileiros se automedicam.

Jessé credita o agravamento da autoterapêutica medicamentosa devido à grande dificuldade da população em acessar os serviços de saúde e, consequentemente, à não renovação de receitas. Soma-se a desinformação do uso correto das medicações prejudicando a eficácia medicamentosa.

Além disso, o vasto número de drogarias e farmácias no Brasil facilitam o acesso aos fármacos, às vezes, sem orientação devida do farmacêutico. Outro fator relevante é a publicidade acerca dos medicamentos, que instiga o consumo, assim como o costume de ter farmácias domiciliares onde a conservação inadequada e a invalidade dos medicamentos podem resultar em outros agravos.

“Sobre a dificuldade que as pessoas estão tendo de agendar consulta ou retorno médico, nós orientamos que não abandonem os tratamentos e tomem os medicamentos de forma habitual. As farmácias são essenciais, elas não vão fechar. Mantenha o controle da pressão e da glicemia, até que volte tudo ao normal e o paciente possa procurar o seu médico e dar continuidade no tratamento. Não se automedique, não use os medicamentos receitados por fake news, vamos fazer os tratamentos corretos e indicados por um profissional de saúde”, orienta Jessé.

Remédio para a Covid-19

Jessé, em conversa com colegas que trabalham em drogarias, tem percebido uma busca desenfreada por tratamentos medicamentosos contra a Covid-19. Isso se deve pela excessiva veiculação de fake news nas redes sociais, que alimentam nos pacientes a prática da automedicação e o uso abusivo e irracional de medicamentos.

“Imagino que os medicamentos para ansiedade somaram aumento no consumo nesta pandemia, haja vista que a população brasileira, segundo a Organização Mundial de Saúde, é a mais deprimida da América Latina. Agora, com essa população isolada em casa, a tendência ao consumo está bem maior”, aponta.

Ele diz que também houve um aumento de pessoas procurando vermífugo e antivirais, entre outros. Por outro lado, vê que muitos pacientes estão procurando coquetéis para aumentar a imunidade e, consequentemente, aumentou muito a venda de vitaminas, um aumento extraordinário; “porém, temos que pensar que a vitamina parece ser um composto inofensivo, mas algumas também tem interação medicamentosa importante com outros medicamentos. Uma pessoa que faz tratamento de diabetes, hipertensão, problemas renais ou hepáticos, pode usar o composto vitamínico desde que o médico dele tenha ciência e faça a prescrição”, sinaliza Jessé. Ainda, o uso prolongado da vitamina C, por exemplo, pode causar cálculos renais, distúrbios gastrintestinais e incômodo na bexiga porque acidifica a urina e isso provoca irritação – ela teve propalado o seu “efeito preventivo” contra o novo coronavírus em fake news, e se tornou campeã das comercializações.

Muitas pessoas também têm perguntado a respeito dos anticoagulantes – alguns estão sendo usados em ambiente hospitalar, para pacientes com sintomas mais severos – insuficiência respiratória – diagnosticados com a COVID-19. Já que foi noticiado que alguns hospitais estariam fazendo uma pesquisa sobre o uso dessa classe de medicamento relacionado à melhora dos pacientes; ele, então, diminuiria a gravidade da Covid-19. “Porém, seu uso é indicado no ambiente intra-hospitalar, onde tem um acompanhamento médico constante e uma grande equipe acompanhando o paciente. O consumo dessa classe de medicamento não deve ser usado sem prescrição médica. “Tomar a droga sem prescrição e acompanhamento médico pode levar à hemorragia interna —sangramentos no sistema nervoso central e sistema gastrointestinal, que podem até levar a morte”. Aliás, dentro dos hospitais, a classe dos anticoagulantes está inserida nas de medicamentos potencialmente perigosos (MPP), ou seja, são medicamentos que na sua dose normal podem trazer reações adversas para o paciente, especialmente se houver excesso.”

 

Hidroxicloroquina e os perigos da automedicação na pandemia

Segundo a Mayo Clinic, organização norte-americana sem fins lucrativos voltada para a prática clínica, educação e pesquisa médica, a cloroquina não deve ser tomada junto com diversas classes de medicamentos.

Seus efeitos colaterais, quando somada a essas classes de drogas, podem ser dor de cabeça, visão embaçada, náuseas e vômito, câimbras, diarreia, taquicardia, queda de pressão sanguínea, coceira e manchas avermelhadas na pele. “Não usem o medicamento fora do ambiente hospitalar, isso não é seguro”, ele alerta.

Remédios que parecem inofensivos

Dentre os medicamentos muito populares e que parecem inofensivos, mas que são amplamente usados por conta própria pelos brasileiros, estão os antitérmicos, analgésicos e medicação para a cólica – paracetamol, dipirona e ibuprofeno lideram a lista.

Dependendo da dose, o paracetamol pode causar hepatite tóxica; a dipirona oferece risco de choque anafilático, e o ibuprofeno é relacionado a tonturas e visão turva.

Dentro de todo o cenário da automedicação na pandemia e seus agravantes, o profissional farmacêutico destaca-se com atuação fundamental na identificação dos erros e agravos gerados por essa prática. O farmacêutico atua na promoção da educação em saúde, prestando esclarecimentos a respeito da eficácia e segurança na administração de fármacos, assim como na prevenção dos riscos da automedicação à saúde.

Jessé ressalta que, antigamente o farmacêutico era visto como um ser burocrático, dentro do hospital, era a pessoa que fazia compra, lançava nota fiscal, fazia escala do funcionário e, hoje, isso mudou; qualquer hospital tem que ter a presença do farmacêutico por 24 horas, e o mesmo vale para a drogaria. Portanto, se houver dúvida, o ideal é recorrer ao farmacêutico.