Enfermagem na linha de frente contra a Covid-19

Experiência da Equipe Multiprofissional do HCFMUSP

A pandemia do novo coronavírus mudou o cenário mundial em muitos aspectos, mas, sem dúvida, os serviços de Saúde são agora os ambientes mais afetados e pressionados. O HCX Fmsup iniciou uma série de entrevistas com profissionais que atendem ou apoiam o atendimento a pacientes da Covid-19 para conhecer suas novas e tensas rotinas, suas expectativas e receios. A primeira área abordada foi a de Farmácia Hospitalar. Acompanhe mais um texto da série, dessa vez olhando para a Enfermagem na linha de frente.

Enfermagem em foco

Ramona Keila Oliveira da Silva trabalha na Enfermagem do Hospital das Clínicas e de um segundo serviço, atende pacientes com Covid-19 em Unidade de Terapia Intensiva e na Atenção Primária. “Nas UTIs, geralmente eles chegam em estado bem grave, exigindo alta complexidade no cuidado; na Atenção Primária, a maioria apresenta sinais e sintomas leves de gripe”, diferencia.

Quando chega ao hospital, ela recebe uma roupa privativa, utilizada durante todo o plantão. Ao terminar o trabalho, devolve e veste novamente a sua, para evitar levar contaminação de dentro para fora, e vice-versa. “Nos dois locais, ainda bem, não sofremos com falta de equipamentos de proteção individual, os chamados EPIs, mas no início da pandemia recebi muitas queixas de colegas de trabalho em outros serviços que sofriam com essa falta. Acredito que a exposição do complexo hospitalar na mídia contribui para que os recursos materiais cheguem”, diz.

Os profissionais da área da Enfermagem compartilham dos mesmos receios: adoecer, colocar em risco as pessoas que amam e não conseguir prestar uma assistência eficiente por falta de recursos, além, é claro, de não ter uma previsão de quando tudo acabará.

Como ocorre em hospitais de todo o Brasil, no HC as visitas foram proibidas na UTI devido ao alto risco de contaminação; dessa forma, a comunicação entre familiares e pacientes fica mesmo centralizada em celulares e tablets. Ramona afirma que a distância física causa muita angústia e ansiedade nos pacientes, e mesmo usando a tecnologia em alguns casos, a dor da saudade que sentem não diminui.

E, no fim do expediente, é hora voltar para casa. “Meu retorno tem sido tranquilo, pois os meios de transporte ainda não estão superlotados. Quando chego, deixo o sapato na porta, não transito com ele dentro de casa, tiro a roupa e deixo separada na lavanderia tomando sol, e tomo um banho, antes de iniciar outras atividades. Meus familiares moram em outra cidade, mas a verdade é que minha rotina em relação à volta pra casa não mudou muito, pois eu já fazia isso tudo antes.”

Enfermagem por amor

Enfermeira Ramona KeilaAlém da rotina no serviço de Enfermagem, é preciso conciliar ansiedades e frustrações com o mundo lá fora. Ramona diz que, aos poucos, percebeu que, quando assistia a algumas reportagens ou lia notícias específicas, a tristeza e o abatimento chegavam – no entanto, trabalhando na área dela, é importante não permitir que as emoções atrapalhem.

“Assim, comecei a evitar assistir aos noticiários e a focar mais no momento presente, no dia a dia, a fazer o melhor e o máximo possível dentro das condições que tenho, a aproveitar todos os momentos e viver um dia de cada vez, então me senti mais forte para enfrentar esse momento”, diz. “Comecei a perceber e questionar se as notícias me enfraqueciam ou fortaleciam, se elas somavam na minha vida ou subtraíam, e passei a filtrar”, completa.

Ramona entende que, infelizmente, milhares de pessoas recebem informações tristes e dolorosas o tempo todo, e da forma como as divulgações vêm sendo feitas, acredita que as pessoas acabam mais ansiosas, temerosas, desesperançosas e desesperadas: “Isso não ajuda, pois psiquicamente e emocionalmente elas ficarão cada vez mais doentes. A informação é uma das maiores armas que temos, por isso ela precisa ser completa. Gostaria de ver mais informações sobre os curados, as profilaxias que têm funcionado, pois isso transmitiria mais confiança, daria mais esperança ao povo brasileiro. A grande mídia pode nos ajudar com essas informações”, considera.

Ao ser questionada sobre o que as pessoas em geral podem aprender com a rotina de profissionais da Saúde e, especificamente, da Enfermagem, ela defende: “Seria ótimo se nos movêssemos mais pelo amor do que pelo medo. Manter os cuidados básicos de lavagem das mãos, distância e uso da máscara ajuda muito”.

E continua: “Mas acho que o mais importante é refletir sobre nossa impotência diante de determinados acontecimentos, maiores do que nós, a vida com toda sua força e, ao mesmo tempo, sua fragilidade, sua dor e a sua alegria. Que as pessoas não sobrevivam, mas vivam, apesar do medo e da dúvida, que aproveitem cada momento de forma mais presente fisicamente, emocionalmente e espiritualmente, que olhem para o essencial, respeitem mais a vida e cuidem de si e de suas famílias, que curem seus lares e melhorem seus relacionamentos com as pessoas com as quais convivem”.

Para ela, cada momento é sagrado: “Valorizar a possibilidade de respirar sozinho, conseguir escovar seus próprios dentes e cabelos, se limpar, levantar da cama, se alimentar sem ajuda, ouvir, ver e tocar quem se ama, poder dormir na própria cama e poder voltar pra casa são excelentes presentes que temos, e seria maravilhoso aprender a apreciá-los sem precisar perdê-los”, finaliza.