Ansiedade em tempos de Covid e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)

ansiedade e terapia cognitivo_comportamental

A abordagem da Terapia cognitivo-comportamental estuda as relações que estabelecemos com o nosso ambiente externo e interno através de processos cognitivos, afetivos e comportamentais, bem como as relações estabelecidas entre esses processos, buscando compreender o sofrimento humano em toda sua complexidade. A abordagem é composta por diferentes modelos clínicos que sustentam protocolos psicoterapêuticos eficazes para uma variedade de quadros clínicos psiquiátricos, e é considerada tratamento de primeira linha para diversos transtornos, incluindo os transtornos de ansiedade. Essa linha de tratamento da terapia cognitivo comportamental pode ser bastante adequada para quem desenvolveu ou intensificou sua ansiedade neste momento em que o novo coronavírus é uma ameaça mundial, invisível e não totalmente compreendida.

“A pandemia da Covid-19 tem como característica essencial a imprevisibilidade. Começando por não temos como saber se as medidas de segurança que seguimos serão suficientes para evitar o contágio, passando pela incerteza de estamos contaminados ou não, se seremos vetores, se teremos sintomas, se seremos internados, se sobreviveremos…”, inicia Dr. Thiago Sampaio, coordenador do Curso de Terapia Cognitivo-Comportamental do HCX Fmusp. Ele segue afirmando que a quarentena também produz incertezas em relação ao futuro profissional e financeiro, podendo representar ameaça iminente à sobrevivência de pessoas em condições sociais menos favorecidas; e tudo isso tende a elevar muito a ansiedade.

No que se refere à psicopatologia, a situação atual não só pode agravar quadros ansiosos como também “pessoas com traços ansiosos de personalidade, mas sem nenhum transtorno, podem apresentar um distúrbio de ajustamento frente a estressores relacionados à pandemia” afirma.

Isso porque a ansiedade acentuada não surgiu com o coronavírus. No fim de 2019, o Brasil ocupava o 11º lugar no ranking mundial da ansiedade, realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Tínhamos então uma pandemia de ansiedade? “Essa pergunta tem uma resposta muito incerta. Temos uma dificuldade de identificação de dados epidemiológicos históricos, uma vez que as categorias diagnósticas mudam ao longo do tempo”, explica.

Ele também afirma que, à medida que essas novas categorias surgiram e tratamentos específicos para esses transtornos foram propostos, houve interesse maior da indústria farmacêutica em pesquisas que pudessem produzir dados epidemiológicos. “Isso dificulta respondermos de maneira objetiva se há uma epidemia ou apenas uma maior identificação dos casos e, por isso, os diagnósticos são tão frequentes hoje”, pontua.

Outro aspecto descrito por ele é considerarmos que, ao longo desse período, há transformações sociais que impactam emocionalmente e cognitivamente as pessoas; padrões culturais de comportamento e pressões sociais que são diferentes ao longo do tempo: “É muito pouco provável que uma mulher canhota de hoje sofra por temer ir para a fogueira, mas muitas podem sofrer com a balança, coisa pouco provável na Idade Média. Sempre que percebemos que coisas importantes para nós estão em risco, o estado emocional tende a ser de ansiedade. Conforme os valores da sociedade mudam, o padrão ansioso muda também, ainda que a sobrevivência e aceitação social sejam fatores sempre presentes, as situações que se configuram como ameaças a elas são dinâmicas”.

Ansiedade e pânico

Se a ansiedade for considerada como estado emocional de defesa, ela surge como característica de situações em que existe uma ameaça potencial, seja à integridade física ou outro aspecto que esteja sob ameaça, sem saber se aquilo vai se concretizar e nem quando.

Dr. Thiago explica que, no medo, a ameaça é presente e o padrão de comportamento é de fuga, enquanto que, a ansiedade estaria relacionada à imprevisibilidade, gerando comportamentos de avaliação de risco e checagem, entre outros padrões de esquiva. “Já o pânico seria uma ameaça mais próxima, a pessoa está sendo atacada por aquilo; o modelo mais usado é o da asfixia, uma ameaça de morte iminente, produzindo uma reação emocional muito intensa e um padrão de fuga desordenada”, descreve.

São, portanto, três estados emocionais distintos; a ansiedade é o que teoricamente estaria mais elevado agora, devido ao coronavírus, na medida em que a característica essencial dessa patologia é a ameaça potencial, incerta. Para ele, a desinformação e a diversidade de opiniões diferentes veiculadas também não ajudam nesse cenário.

Dr Thiago Sampaio, coordenador do Curso de Terapia Cognitivo-Comportamental
Dr. Thiago Sampaio

“Se isso vai acontecer ou não, vai depender de características do indivíduo, como essa manifestação ansiosa é particularmente expressa ou manifestada na pessoa. Por exemplo, alguém que não tenha quadro clínico de ansiedade pode ficar muito ansioso na pandemia, ao passo que uma pessoa com quadro grave pode até sentir melhora em função da pandemia – tudo devido ao tipo de ansiedade e ao contexto de cada um”, afirma o coordenador do curso de Terapia cognitivo-comportamental.

A pessoa que sofre de muita ansiedade e medo de sair de casa (agorafobia) pode se sentir aliviada com as normas do isolamento social, e seu estado emocional pode melhorar substancialmente. O mesmo valeria para uma pessoa com fobia social, que vive agora uma redução da necessidade de interação social; menos ansiosa, ela pode até ter mais facilidade para se relacionar de forma virtual, sentindo-se protegida pela impossibilidade de contato físico; o que não deixa de ser uma forma importante de treinar habilidades, ainda que virtualmente.

“Olhando para os pacientes com transtorno obsessivo compulsivo (TOC), os novos rituais – lavar as mãos, usar máscara, passar álcool em gel – não necessariamente intensificarão a condição, pois ela já é característica deles, e os sintomas são muito idiossincráticos. Ainda que de maneira geral novos estressores tendam a exacerbar os sintomas, uma pessoa com TOC pode eventualmente não ser muito afetada pela pandemia, enquanto alguém que não tenha quadro ansioso possa ser mais afetado”, explica. De fato, não há uma conduta especificada pelo tipo de estímulo que está produzindo ansiedade. O que o psicoterapeuta olha é o tipo de relação que o indivíduo estabelece com classes de estímulos.

Terapia Cognitiva para ansiedade

Dr. Thiago conta que teve uma paciente que interrompeu a terapia por achar que agora não fazia sentido mantê-la, especialmente por não ter como realizar as técnicas que envolvem exposição, mas que entende que muitas pessoas tiveram piora com a ansiedade. “Em linhas gerais, acredito que os quadros de ansiedade estão se intensificando, e a busca pela ajuda também”, define.

Neste momento, a principal adaptação no tratamento psicoterápico é o atendimento à distância. Sobre o impacto disso, ele pondera que “precisamos de estudos para avaliar: a perda pode ser irrisória ou os ganhos podem superar as perdas. Parece ser importante investir em pesquisa para avaliar prejuízos e/ou benefícios nesse cenário online, e quais são os efeitos do atendimento virtual comparado ao presencial”.

Parte da mídia tem afirmado que há uma síndrome causada pelo de medo de sair – Síndrome FOGO – do inglês “Fear Of Going Out”, ao que Dr. Thiago questiona: “Acho que essas categorias mais populares surgem espontaneamente, mas vamos acabar encaixando isso em diferentes casos de ansiedade: agorafobia, fobia social, fobia de doença, TOC… Todos esses quadros clínicos poderiam explicar por que as pessoas estão apresentando o comportamento que elas rotulam como Síndrome do FOGO. Não acho vantajoso que se crie uma nova categoria relacionada a sair de casa e ser contaminado”.

TCC para Ansiedade

Atualmente, a terapia cognitivo-comportamental é considerada a intervenção clínica padrão ouro para os transtornos de ansiedade, TEPT e TOC.

No curso coordenado por Dr. Thiago com os Profs. Francisco Lotufo Neto e Silvia Sztamfater, os alunos acessam os aspectos conceituais dos transtornos de ansiedade e as terapias de fato, com bases históricas e as terapias aplicadas a transtornos diversos. É um curso indicado a qualquer profissional que já atue na área da saúde mental.

O curso EAD de Terapia Cognitivo-Comportamental, com 20 horas de carga horária, oferece um certificado de conclusão àqueles aprovados na avaliação. Veja mais detalhes ou envie sua dúvida por email: [email protected].