Dia Internacional da Mulher e o papel da saúde mental

Dia Internacional da Mulher

Há algum tempo, as flores foram preteridas por direitos: as mulheres, hoje, buscam liberdade, reconhecimento e igualdade. Mas sabemos que não é tão simples; ainda que haja lutas, há também falta de informação, violência, medo e condições de saúde impeditivas – inclusive mentais. Para celebrar o Dia Internacional da Mulher deste ano, o HCX Fmusp traz uma abordagem específica da saúde mental feminina e conta, para isso, com a colaboração do Prof. Dr. Joel Rennó Jr., diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria (IPq) do HC.

Hormônios femininos e saúde mental

Se num quadro de discordância, uma mulher se torna explosiva, grita ou reclama, é muito comum definirmos o veredito: “Ela deve estar na TPM”. O argumento para alimentar o preconceito da sociedade é de que a menstruação torna as mulheres histéricas.

Na verdade, desde a menarca até a última menstruação, as mulheres têm risco duas vezes mais de sofrer de depressão e de transtornos de ansiedade; isso varia de acordo com o subtipo de transtorno de ansiedade. “Longe de aumentarmos os preconceitos que existem; o fato é que há uma neurobiologia hormonal, a parte que deixa algumas mulheres mais suscetíveis – perante esses períodos de oscilação hormonal, perimenstrual, periparto, perimenopausa –, e elas ficam mais vulneráveis e podem ter um risco maior de ter depressão”, explica o Professor.

É fato que, durante todo o ciclo reprodutivo feminino, saltam distúrbios como os de depressão, transtornos de ansiedade e o transtorno disfórico pré-menstrual – este, especificamente, atinge 5% das mulheres, e hoje é classificado na 5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) da Associação Americana de Psiquiatria como um subtipo de depressão. A exacerbação desses sintomas se dá de três a dez dias antes da menstruação. “O transtorno disfórico pré-menstrual pode levar uma mulher dócil e tranquila a até agredir fisicamente, verbalmente, em atitude que, depois, a fazem se sentir constrangida. Porém, vejo de forma positiva que haja essa classificação – durante muitos anos, de 1990 a 2013, ela não existia, e a condição ficava em um apêndice de que precisava ser mais bem investigada. Hoje temos definição e tratamento eficaz”, diz Dr. Joel.

Na perimenopausa, período de oscilação dos níveis hormonais que ocorre cerca de cinco anos do início da menopausa, algumas mulheres podem ser mais vulneráveis a ter quadros de depressão.

“E quando falamos em depressão, precisamos lembrar que, hoje, é uma doença sistêmica, que afeta o corpo em si. Adicionalmente, há fatores psicossociais bastante significativos. Mulheres são mais vítimas de violência física, sexual, assédio moral; essas experiências traumáticas podem ter mais probabilidade de desencadear quadros de depressão”, diz Dr. Joel.

Machismo e Saúde Mental da Mulher

Também é essencial considerar que há sobrecarga maior nas mulheres em relação à esfera familiar, conforme lembra Dr. Joel – cuidados em geral com a casa, sua administração, a, educação dos filhos.

A sociedade machista ainda acredita que quem deve cuidar da casa é a mulher, e isso se reflete diretamente nas atividades de cada um, por mais boa vontade que parte dos homens tenha: o suplemento Outras Formas de Trabalho da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgado em abril do ano passado pelo IBGE, mostrou que as mulheres dedicaram em 2018, em média, 21,3 horas por semana nesses afazeres domésticos e cuidados de pessoas, índice que é quase o dobro do feito pelos homens: 10,9 horas.

No início deste mês de março, resultados de outra pesquisa saltaram aos olhos: 52% dos homens afirmaram que tarefas domésticas são divididas igualmente na cidade de São Paulo, mas apenas 39% das mulheres concordaram – as tarefas relacionadas foram lavar louça, lavar roupa, colocar o lixo para fora, limpar a casa e preparar as refeições. Os dados são do levantamento “Viver em São Paulo – Mulher”, da Rede Nossa São Paulo, do Ibope.

Você tem que ser mais dura com sua equipe

Paralelamente, mulheres no ambiente de trabalho, embora ganhem menos que os homens em todas as ocupações, acabam sendo mais exigidas e cobradas, até por um padrão masculino de funcionamento no meio corporativo.

“Algumas têm estruturas cerebrais diferentes das masculinas e conseguem trabalhar de formar mais eficiente com os dois lados, concatenando várias atividades simultaneamente”, ressalta Dr. Joel.

“As mulheres, às vezes, têm uma sensibilidade, um dom para ter flexibilidade no trato com as pessoas. Tem o aspecto construtivo do relacionamento humano; há funcionários que têm esse sentimento de pertencimento. Porém, há empresas que estimulam a competição agressiva entre os funcionários. O cortisol, hormônio que ajuda o organismo a controlar o estresse, reduzir inflamações, contribuir para o funcionamento do sistema imune e manter os níveis de açúcar no sangue constantes, é inimigo da criatividade; é, nesse cenário, representado pelo chefe que impede que a equipe evolua, cresça, tenha ideias criativas. Nesse caso, elas têm que fazer um tipo contra a natureza delas, entram em burnout, depressão, e não por acaso acabam tendo maior predisposição ao uso e abuso de álcool. Hoje, para cada três homens, uma mulher consome álcool, calmantes ou ansiolíticos de forma abusiva – no passado, era uma mulher para cada dez homens. Certamente, esse aumento se dá, sobretudo, por conta das mudanças das relações sociais e das cobranças dos vários estímulos que incidem sobre essa mulher moderna”, alerta Dr. Joel.

Há situações que precisam ser revistas nesse papel da mulher moderna, para que ela não se torne tão vulnerável. Não à toa, cada vez mais cedo, as mulheres vêm enfartando.

Saúde da Mulher: para além dos estereótipos

“O estrógeno é o hormônio responsável pela plasticidade neuronal, o que nos torna inteligentes; permite que novas conexões sinápticas sejam feitas, essenciais para manter a jovialidade do sistema nervoso central. Diante do ambiente interno hipoestrôgenico, as mulheres tendem a reclamar de alteração de humor, perda de memória. Mas precisamos considerar que não é só uma questão hormonal; há todos os gatilhos externos”, resalta Dr. Joel.

No caso da mulher mais velha, que está mais ociosa, já criou os filhos, não pratica atividade física, ganha peso, muitas vezes ainda é tabagista e usa álcool: é uma série de estímulos que incidem na menopausa. “Nem falamos mais em ‘síndrome do ninho vazio’; brinco em minhas palestras que hoje é ‘síndrome do ninho cheio’, porque as condições da economia levam filhos e netos a voltar a morar com os pais, às vezes até forçando a responsabilidade de sustento para os avós. Enfim, há uma série de mudanças de contexto de vida, e se você não tiver uma resignificação dessas experiências de vida, torna-se um caos”, diz o Professor.

Sabe-se que muitas mulheres têm medo da menopausa; porém, hoje a expectativa de vida feminina no Brasil é de 80 anos. A mulher que chega à menopausa aos 50 anos terá provavelmente mais 30 anos de vida sob essa condição. “Hoje temos recursos para estimular a parte cognitiva: cursos, faculdade, novo idioma, estímulos à atividade física com dança, meditação, ioga, enfim, mudar o estilo de vida é fundamental para você reforçar positivamente os aspectos envolvendo a saúde física e mental”.

Atualmente, a terapia de reposição hormonal é feita quando preciso, por curto período, quando não há riscos, e é preciso haver a avaliação do ginecologista. Ela pode melhorar o humor, ajudar a prevenir a osteoporose e doenças cardiovasculares, principalmente com a reposição estrogênica. A Psicoterapia também pode ajudar nessa resignificação das experiências de vida.

“Depois de anos vivendo da mesma forma, na mesma estrutura de casa e trabalho, por exemplo, a gente sistematiza um estilo de vida com poucos referenciais. As pessoas ficam acomodadas dentro de um funcionamento, e quando você muda uma das partes dessa estrutura, algumas se veem perdidas, desestabilizam. É importante pensar que mudanças ocorrerão na vida de todos nós, e que podemos criar alternativas que nos façam felizes. As áreas em que temos sucesso também escondem nossas fragilidades”, completa Dr. Joel.

Igualdade no tratamento da saúde mental feminina

Dr. Joel completa que os avanços de estudos e tratamentos na área de saúde mental vêm não para colocar a mulher em um papel de neurótica, inferior, histérica, rótulos que, infelizmente, às vezes a sociedade ainda utiliza, ao contrário: “Quando você estuda as questões fisiológicas, hormonais que atingem a saúde mental das mulheres, você tem uma forma de oferecer a elas um tratamento individualizado mais eficaz, com resultados melhores, para que sofra menos e para que tenha qualidade de vida”.

Até pouco tempo atrás, pesquisas na área eram feitas apenas com homens para definir medicamentos; as peculiaridades femininas não eram levadas em consideração. “Você dava uma fluoxetina, por exemplo, que é o Prozac, com referência em estudos desenvolvidos apenas em homens”, ele diz.

Apesar de ainda haver cenários muito tristes envolvendo a mulher hoje, especialmente com violência e feminicídio, há igualdade de fornecimento de tratamentos para as mulheres, quando considerada sua saúde mental. “No passado, a gestante não podia tomar remédios nessa área. Hoje sabemos que depressão não tratada pode levar a parto prematuro, abortamento espontâneo. As mulheres não tratadas podem ter um risco de episódio depressivo grave no pós-parto que impeça o relacionamento dela com o bebê. Essa oferta de tratamentos corretos, eficientes para a mulher tem aumentado muito a qualidade de vida delas, e favorecido toda a sociedade”, defende.

“Hoje há uma ciência em volta da TPM – as mulheres são mais respeitadas, e quando você oferece esses recursos, coloca a mulher em um patamar de igualdade, como tem que ser. Essas tecnologias, descobertas da fisiopatologia, dos distúrbios mentais do ciclo reprodutivo significam um futuro muito melhor para a sociedade. Derrubar barreiras em relação à saúde mental é importante para todos – os avanços nas pesquisas relacionadas à psiquiatria da mulher têm um significado muito importante”, completa.

Dr. Joel Rennó Jr. acaba de lançar um guia mundial sobre saúde mental da mulher (Women’s Mental Health – A Clinical and Evidence-Based Guide), que contou com a colaboração de profissionais de diversos continentes. Em 27 capítulos – confira-os separadamente -, o livro, que levou três anos para ficar pronto, se concentra na melhor maneira de diagnosticar e tratar distúrbios psiquiátricos em mulheres, e busca atender psiquiatras, psicólogos, médicos de família, obstetras, ginecologistas, enfermeiras, assistentes sociais e outros profissionais de saúde mental.